DIREITO PREVENTIVO - SUCESSO NA HORIZONTAL (Abordagem Liminar)
por Pedro Guilherme-Moreira, Advogado (também em word aqui, para levar para casa:)
ÍNDICE(com acesso directo a cada capítulo):
Usando o plural majestático, o que nos garante desde já um
suplemento de dignidade que é imperioso neste tema tão maltratado em Portugal
(e em quase todo o mundo), começamos efectivamente pelo fim, o que, não sendo
aconselhável na ciência do Direito Preventivo – e já vamos explicar estoutro
aditivo de lhe chamar “ciência” -, se impõe no contexto e na data em que
escrevemos: ainda não há Direito Preventivo em Portugal, nesta década de dez do
século XXI.
2. DIREITO PREVENTIVO - UMA CIÊNCIA?
No princípio de um previsível longuíssimo trilho para que
possamos sequer dizer que há sinais de Direito Preventivo em Portugal, parece
perfeitamente disparatado apodá-lo de Ciência.
Concordamos, pelo que preferimos não usar letra capital
para começar a palavra, e deixar a logomaquia para outros.
Nesta parcas e modestas linhas, o Direito Preventivo será
uma ciência, sim, mas de letra pequena, e no sentido que lhe dá, por exemplo, o
dicionário Houaiss: “conhecimento atento e aprofundado de
alguma coisa”.
E eis a primeira pergunta que, cremos,
qualquer jurista leigo na matéria faria: “Mas não é o Direito Preventivo,
apenas e só, um conjunto desordenado de intuições?”
Respondemos sem
qualquer dificuldade que não.
Aliás, quem teve a sorte e o cuidado de
abordar esta ciência com seriedade, saberá que ela encerra em si as mais
fascinantes descobertas, mesmo para juristas, advogados, ou magistrados muito
experimentados. Mas já lá vamos.
O facto é que o Direito Preventivo não
começou ontem, e tem e teve os seus estudiosos, que não o levaram apenas para a
mesa do café, ou para o átrio de um
tribunal, onde, ainda hoje, o Direito Preventivo é arranhado em cima do joelho.
Não vamos curar aqui da História desta
ciência, mas obrigamo-nos a enquadrar cronologicamente os primeiros passos que
lhe identificámos, até para que possamos perceber o porquê do falhanço da sua
implementação no mundo.
Antes disso, porém, vamos ao que lhe
chamamos.
3. “DIREITO PREVENTIVO” ou
“ADVOCACIA PREVENTIVA”?
Embora nos pareça óbvia a opção, a verdade é que nós próprios falámos muito, nas
primeiras abordagens a esta ciência, de “Advocacia Preventiva”, o que tem uma
explicação simples: é exactamente aos Advogados que pertence o maior papel (e
não queremos dizer “o melhor”, mas apenas “o mais amplo”) no desenvolvimento e
implementação das técnicas do Direito Preventivo.
Mais à frente, veremos que há uma fase na “linha de tempo” [1], por ser aqui que se desenvolve e perspectiva o Direito Preventivo, em
contraponto com a “linha vertical”, que corresponde ao exercício tradicional da
advocacia, que se desenvolve num plano vertical, e em vez de preventivo é
reactivo - o lutador, orientado para o exercício do poder, de cima para baixo,
voltado para trás, para o passado -, do Direito Preventivo em que o Advogado é,
praticamente, o único profissional que pode (e deve) intervir.
Mas isso não impede que haja muitas outras fases em que o
Direito Preventivo pode (e deve) ser “cultivado” por muitos outros: mediadores,
árbitros, juízes de paz, magistrados, etc, etc.
Mais importante do que isto, é que não há forma de autonomizar
a “Advocacia Preventiva” na ciência do Direito Preventivo, pois todo o método
de trabalho do profissional que previne implica a ponderação, em simultâneo, de
todas as fases da “linha de tempo”, compitam elas a que profissionais
competirem.
Assim, embora no Direito Preventivo o Advogado seja sempre
o elemento mais “desjudicializado” e, se actuando em prevenção, a actuar mais
afastado do conflito (actual ou potencial), não temos dúvida de que chamar ao
tema de que aqui curamos “Advocacia Preventiva” seria criar-lhe dificuldades
teórico-práticas inultrapassáveis.
4. OS MITO DA MOLEZA, AS FRAQUEZAS E
AS TÉCNICAS AGRESSIVAS
O grande mito – e o grande inimigo – do Direito
Preventivo, essencialmente presente, há que dizê-lo, nas franjas mais
conservadoras de advogados, e, simultaneamente, em toda a opinião pública, é
que a prevenção, ou a procura da composição amigável, é sinal de fraqueza,
principalmente quando surgir por iniciativa própria.
Mas, como vamos ver à frente, o Direito Preventivo tem
técnicas extremamente agressivas e inteligentes, a tal ponto que extirpam de
alguns casos todos os seu perfume de contencioso, ou, nalguns outros, deixam a
outra parte despida de armas.
A posição do “prevenido activo” é sempre superior, e
claramente mais confortável, do que a do Autor ou Réu, cuja actuação acontece
sempre num espaço reduzido, com poucas e inflexíveis armas, e com uma sujeição
a um sistema que não comandam ( e se pensarmos noutro contexto, que não o
português, onde tudo é controlado e manietado por poderes corruptos, podemos
ficar com uma ideia de onde está, realmente, a fraqueza).
Temos para nós que as escolhas da via contenciosa é que
dão, essas sim, as mais das vezes, profundos sinais de fraqueza.
Porque há uma diferença muito grande entre o guerreiro
puro e duro, e a pessoa que resolve problemas. O primeiro nem sempre se esforça
por resolver qualquer problema, tirando prazer da luta pela luta, e podendo ir
contra a própria função que desempenha.
5. BREVÍSSIMOS TRAÇOS DE HISTÓRIA
Em Portugal, pura e simplesmente não há história de
Direito Preventivo, até porque este é um instrumento que só recentemente
começou a ser estudado e sistematizado.
Direito Preventivo não se confunde com Justiça de
proximidade, essa sim com algumas tradições no nosso país, que agora estão a
ser recuperadas com o ressurgimento dos Juízes de Paz – com um perfil, contudo,
marcadamente diferente dos Juízes de Paz de antanho – como se sabe, os Juízes
de Paz surgiram com a carta constitucional portuguesa de 1826, marcaram a
justiça de proximidade durante cerca de 100 anos, e foram depois abandonados
pelo Estado Novo, para ressurgirem muito recentemente, com a Lei 78/2001, de 13
de Agosto.
Pode ler-se, de quando em vez, algumas intervenções breves
sobre o tema, umas interessantes, outras dando a clara ideia de que o seu autor
nem sequer sabe o que é o Direito Preventivo, que é, muitas vezes, confundido
com os (ou reduzido aos) meios alternativos de resolução de conflitos, à
arbitragem ou à mediação, quando estes momentos, embora sendo parte integrante
(lá mais à frente) do processo de prevenção, encarado de modo muito amplo, não
deixam de querer significar que as fases anteriores não foram convocadas – e,
se às vezes não podem sê-lo, pela natureza do “problema”, as mais das vezes
podem, e não o são; ou foram-no, e falharam.
O
“recentemente” que referimos no primeiro parágrafo
deste
ponto não é português. Portugal só pode ter
um “ainda não”. O “recentemente”
é
dos Estados Unidos, e terá uns cinquenta anos, por obra e
graça daquele que lá
é considerado como o “pai do Direito Preventivo”:
Louis M. Brown.
E se é pai lá, é pai cá, pois nestas dimensões mais
criativas do Direito, os Estados Unidos são reis e senhores. Na Europa, a
ciência do Direito é densa, complexa e algo cinzenta, mesmo nos sistemas
anglo-saxónicos.
O
senhor Brown deixou o seu rasto nesta área às gerações futuras, que só agora
começam a “acordar” para ela, mesmo onde as reflexões e os estudos foram mais
longe. De qualquer modo, foi criado à sua imagem o “Preventive Law program”, na
“California Western School of Law”.
Louis
Brown (1909-1996) fundou e foi presidente do “National Center for Preventive
Law”, na Universidade de Denver, e o seu trabalho neste domínio remonta já aos
anos cinquenta. Foi advogado e professor
universitário, e foi autor e co-autor de 10 livros, e mais de 150 artigos
científicos sobre Direito Preventivo.
O
programa do professor Brown, há pouco mais de cinco anos, era praticamente a
única referência do Direito Preventivo americano, e mesmo mundial.
Recentemente,
contudo, houve uma considerável evolução, inclusive na terminologia associada
ao Direito Preventivo.
Podemos
referi-lo só a título de curiosidade, já que
detalhá-lo e explicá-lo seria
andar com o carro muito à frente dos bois (se ainda agora nos
começamos a
habituar à própria expressão “Direito
Preventivo”): “Advogado
multidimensional”, “Designer da
Prevenção”, “Tribunais Juvenis de
Pares”, Resolução
criativa de problemas”, “Jurisprudência
Terapêutica”, etc, etc.
O
resto do mundo tem o privilégio de poder observar o caminho trilhado pelos
pioneiros, contornando alguns dos seus erros.
Já
vimos escrito que um dos principais erros dos pioneiros do Direito Preventivo
foi a desadequação das suas teorias ao tecido social do tempo em que surgiram, provando-o
o facto de ter demorado mais de cinquenta anos a chegar ao centro do debate, mas
nós, em toda a nossa insignificância, temos de discordar.
Como
vamos ver já a seguir, o Direito Preventivo é natural ao homem, e foi o seu
primarismo que criou e desenvolveu o sistema vertical de Direito Reactivo que
hoje utilizamos, claramente em crise há dezenas, senão centenas de anos, e que
já não responde à “necessidade básica” de justiça do Homem.
6. UMA BOA IDEIA: OS TRIBUNAIS
JUVENIS DE PARES
Porque o Direito Preventivo é também, ou é essencialmente,
uma questão cultural e de cidadania (até porque, em teoria, qualquer pessoa
concorda com os princípios do Direito Preventivo, mas, na prática, poucos
prescindem da lógica vencedor-derrotado própria do sistema “vertical”),
qualquer boa ideia no sentido de envolver os cidadãos na aplicação da justiça,
utilizando o sistema horizontal do Direito Preventivo, é uma boa ideia.
Abordamos aqui, brevemente, a bem sucedida experiência
americana dos Tribunais Juvenis de Pares, que, não sendo uma aplicação
científica do Direito Preventivo, demonstra que, na prática, os seus
princípios, mesmo que não estudados, são facilmente intuídos por todos – o que demonstra,
antes de mais, que o Direito Preventivo é mais natural ao homem que o Direito
Reactivo.
Os Tribunais
Juvenis de Pares são uma oportunidade para que os delinquentes juvenis possam
evitar a prisão efectiva, caso se vinculem com um programa de reabilitação.
Trocam uma confissão de culpa por um registo criminal limpo, e têm de concordar
que a sua sentença seja determinada por um júri de pares, ou seja, por outros
delinquentes juvenis.
Segundo
testemunhos, a experiência é profundamente marcante, no melhor dos sentidos,
para todas as partes.
O Júri,
normalmente, inclui na sentença a obrigação de duas futuras participações num
tribunal do mesmo tipo, e uma carta de desculpa às vítimas. O prazo dado para
cumprimento da sentença é, normalmente, de dois meses, e supervisionado por
membros de comunidades (pais, estudantes de Direito, agentes de liberdade
condicional, entre outros, sempre voluntários).
Pesquisas
demonstram que o índice de reincidência é bem menor, nestes casos.
Podem ser
descortinados aqui quase todos os princípios da tal justiça
horizontal/preventiva.
7. A NEGAÇÃO DA ESPECIALIZAÇÃO: UM
DIREITO AMPLO E GLOBAL
Um aspecto também muito curioso do surgimento do Direito
Preventivo e da Justiça Horizontal, não só como alternativa, mas como máximo
denominador comum, senão do presente, do futuro próximo da Justiça, é a
inversão, no caso dos advogados, da crescente tendência de especialização. Ou
então do surgimento de uma nova especialização em moldes completamente
diferentes, e muito idêntica à especialização em Clínica Geral da Medicina
(aliás, a metáfora da Medicina Preventiva é recorrente nas sessões de
esclarecimento sobre esta temática).
O facto é que, como veremos mais em detalhe adiante, o
Direito Preventivo provoca que o profissional recue o mais possível na linha do
tempo, de forma a poder estruturar as melhores soluções para a pessoa que a ele
recorre. Ora, esse recuo faz com que se tenha necessariamente de ter uma visão
abrangente, contudo de sólidos alicerces, sobre todo o Direito. A prática vai
conferir-lhe competências que, como todos os advogados certamente já terão
experienciado, são mais próprias desses outros ramos do conhecimento, do que do
Direito.
Mas fica a ideia curiosa deste caminho inverso à
especialização, e o conforto de que haverá espaço para os até agora apelidados
“Clínicos Gerais do Direito”.
8. DIREITO REACTIVO – INSUCESSO
GARANTIDO. UMA RAZÃO CONCEPTUAL: O EXÓGENO E O ENDÓGENO;
Assistimos muitas vezes a grandes debates em torno da
justiça, mas ainda não vimos ninguém defender que os problema e o insucesso da
justiça como ela hoje se nos apresenta, ou seja, nas nossas palavras, a Justiça
Vertical Reactiva, pode ter razões profundas, ligadas à própria concepção do
modelo vigente.
É uma dessas razões profundas, a nosso ver, que agora
passamos, brevemente, a expor.
A Justiça Vertical Reactiva nunca poderá verdadeiramente
funcionar, por causa do posicionamento perfeitamente incoerente – diremos mesmo
por causa da impossibilidade de um posicionamento coerente – dos chamados
actores forenses. Actores estes que, sendo “colaterais” à matéria, à verdade,
acabam por distorcê-la decisivamente.
A explicação deste desacerto conceptual é muito simples.
Vamos tomar como exemplo os Juízes e os Advogados: o Advogado é endógeno à
realidade, porque contacta directamente com ela, pelo menos da forma como ela
lhe é exposta pelos clientes, mas tem uma posição exógena ao processo judicial
que essa realidade pode gerar.
Já o Juiz é endógeno ao processo, mas claramente exógeno à
realidade, recebendo-a com filtros densos.
Ora, obviamente, o movimento dinâmico de ambos é
contrariar a inevitabilidade supra exposta.
Mas para contrariar um movimento dinâmico, digamos,
natural, é necessária uma dose de energia extraordinária, energia essa que nem
sempre, diríamos mesmo quase nunca, é disponibilizada por qualquer destes
“actores”, sendo que, quando o é, os resultados observados são claramente
superiores.
Ora, temos todo o sistema de Justiça Vertical Reactiva
dependente de “inevitabilidades” como esta. E se este sistema surgiu,
historicamente, porque era necessário, ou porque se revelava até uma exigência
cultural, nos tempos que correm tem de ser relegado para o campo da excepção.
Porque, encravado como está nos alicerces de qualquer
sociedade, há-de sempre contribuir para o seu mau funcionamento, e não o
contrário, por mais que se remende aqui e ali.
9. LINHA DO TEMPO: MOMENTO 1 – A
PESSOA
Como já foi referido supra, o movimento do Direito
Preventivo é, normalmente, de trás para a frente, se o considerarmos na sua
utilidade absoluta.
Isso leva-nos a um ponto
inicial, limpo, quase vazio, em que temos de considerar apenas a pessoa, na sua
nudez. Nesse ponto, o Direito é só mais
um dos ramos do conhecimento, entre muitos outros.
Como acima referido, no
exemplo dos Tribunais Juvenis de Pares, o conflito, ou a ausência dele, ou,
melhor ainda, a forma de com ele lidar, é essencialmente uma questão de
cidadania, uma questão de educação, uma questão cultural.
É por isso que o
primeiro ponto da linha do tempo do Direito Preventivo só pode ser a formação
da pessoa, convocando todas as profissões que com ela lidam (padres, médicos,
professores). São para aqui chamados também todos os ramos do conhecimento, da
Filosofia à Medicina, do Direito à Teologia, etc, etc.
O Advogado, nesta fase,
tem uma utilidade marginal, embora a tenha, e num ponto fundamental: o Advogado
é o profissional que conhece as manifestações dos conflitos, e por isso sabe,
melhor do que qualquer outro profissional, as formas de os evitar, até porque
os outros profissionais que lidam com a conflitualidade, as mais das vezes, não
podem ser consultados (magistrados, por exemplo). Sabe ou devia saber, pois,
como veremos no ponto 15, o Direito Preventivo não pode ser trabalhado de forma
frívola, pois exige competências e conhecimentos próprios, e nem todos os
advogados os possuem.
10. LINHA DO TEMPO: MOMENTO 2 –
PREVENÇÃO EM SENTIDO PRÓPRIO
Esta é a fase do “Ainda não actuei, e gostava de saber o
que fazer para não ter problemas”, ou seja, a pessoa ainda não deu qualquer
passo (aqui importa distinguir a não actuação preventiva da negligente, sendo
que aqui tratamos apenas daquela, pois esta só poderia ter lugar num do momento
3 da linha do tempo, em diante).
Convoca muita psicologia, disciplina que tem de fazer
parte de qualquer futuro curso de Direito Preventivo.
As mais das vezes, o advogado (e nesta fase, apenas o
advogado é convocado, ou seja, é o seu métier,
por excelência) faz um exercício duplo: transportar-se para a cabeça dos personagens
que se podem cruzar com o seu cliente, num futuro próximo ou longínquo, e
perspectivar todo o Direito de uma forma ampla, sem prejuízo de “descer” a
alguns ramos mais específicos (por exemplo, se está a planear os seguros que o
cliente deve fazer; se se trata de uma futura compra de casa; uma perspectiva
de emprego, etc).
O advogado não se deve deixar confundir com o
posicionamento distante do problema, ou com a grande amplitude dos
conhecimentos que convoca: nesta fase, há ponderações que devem ir ao detalhe,
por exemplo, do que come ou veste determinada pessoa, dos hábitos que tem à
noite, e, sempre, da sua forma de ser, dos seus humores, etc, etc. Tanto do
nosso cliente, como dos personagens que se lhe vão cruzar no caminho.
Esta é a Prevenção em sentido próprio, ou puro,
11. LINHA DO TEMPO: MOMENTO 3 –
PREVENÇÃO EM SENTIDO MENOS PRÓPRIO
“Eu fiz isto, mas gostava de me preparar para evitar
aquilo”. Ora, quem diz ao advogado (uma vez mais, o profissional praticamente
exclusivo deste momento da linha do tempo) que já fez alguma coisa, obriga-o,
claramente, a um processo de recuo, um recuo ao momento em que essa pessoa
praticou determinado acto. Este movimento não é típico na Prevenção, e é por
isso que designamos este momento como “prevenção em sentido menos próprio”.
À medida que vamos avançando na linha do tempo, veremos
que se vai restringindo a amplitude de ponderação.
Ora, nesta fase ainda não há qualquer conflito, mas, como
houve realmente um acto sem prevenção (o que não quer dizer que tenha sido um
erro da pessoa, porque há actos insignificantes, que não limitam a forma de
actuação do próprio ou do seu advogado), o advogado já o deve ponderar.
É também nesta fase que é mais útil o controlo sobre os
procuradores ilícitos (e a sua desmotivação), ou sobre os limites de actuação
de certas actividades que florescem nas proximidades do Direito.
12. LINHA DO TEMPO: MOMENTO 4 –
CONFLITO POTENCIAL
O momento 4, o do Conflito Potencial, é o primeiro em que
se pode constar interacção do nosso cliente com outras pessoas, pelo que o
campo de actuação já é muito específico.
Este é o momento de todos os problemas, pequenos e
grandes, que, não se tendo despoletado, estão a borbulhar.
Não é neste trabalho, escrito de forma esquemática e
cultivando uma abordagem teórica, sistematizada, a um tema que normalmente não
a tem, que vamos desfiar exemplos, mas surge-nos logo um muito comum: os
Condomínios, as vizinhanças, águas, consumo, etc, etc.
Neste momento, a actuação no sentido certo de uma das
partes pode esvaziar o conflito potencial.
Normalmente, e por falta de cultura cívica (de empresas ou
de pessoas), as partes tendem ambas a cometer erros, e a gerar conflitos.
13. LINHA DO TEMPO: MOMENTO 5 –
CONFLITO ACTUAL
E surge o conflito. No momento actual, este é o campo de acção do Direito
Preventivo, não por excelência, mas por deficiência. Ou seja, as pessoas têm o
seu esquema mental totalmente orientado para a Justiça Vertical Reactiva. A maior
parte delas, pois, só “reage” quando o conflito já estourou.
Este é pois terreno
fértil para a “evangelização” da prevenção no Direito, quer esclarecendo as
pessoas do que podiam ter ou não feito, quer encaminhando-as para os meios
alternativos de resolução de conflitos, sendo aqui que aparece, de forma clara,
a mediação e a arbitragem.
Um dos meios
alternativos de resolução de conflitos deve ser o próprio escritório dos
advogados. Aliás, mesmo nesta fase quase terminal da linha do tempo, os
advogados podem ser os únicos profissionais e evitar a exponenciação do
conflito, estimulando que as partes resolvam o assunto uma com a outra, com a
ajuda dos seus mandatários – o mediador e o árbitro são já factores externos,
de risco.
14. LINHA DO TEMPO: ÚLTIMO MOMENTO –
O TRANSACCIONAL
O momento Transaccional é o último momento da linha do
tempo do Direito preventivo, mas isso não significa que só apareça, ou deva
aparecer, à boca da audiência de julgamento.
É claro que, para isso, os próprios advogados não podem
integrar nas suas estratégias transacções à boca da audiência de julgamento,
algo que nos parece um hábito ridículo – pois, sendo certo que mais vale um mau
acordo do que uma boa demanda, não faz qualquer sentido deixar esse mau acordo
para um momento em que as pessoas já gastaram fortunas, recursos do Estado, e,
principalmente, já sofreram tudo o que tinham a sofrer.
Na nossa experiência neste campo – aliás, os último 10
anos foram de permanente trabalho, no sentido de maximizar a justiça
preventiva, e minimizar a justiça reactiva, aconteceu-nos, por dezenas de
vezes, outorgar o mesmo acordo que havíamos proposto anos antes, no início do
processo. E quando o outorgámos não pudemos deixar de nos sentir frustrados com
a incapacidade que a outra parte teve de perspectivar desfechos óbvios. Seis e
sete anos para fechar um acordo que estava em cima da mesa desde o início, não
é admissível. Mas acontece, e acontece com pessoas pobres e sem recursos. Os
culpados são, no nosso entender, e acima de tudo, os advogados. Ou seja, somos
nós.
Já ouvimos Advogados dizer que, mesmo tendo ambos margem
negocial para uma transacção “madrugadora” (logo a seguir à Petição Inicial,
por exemplo), não abordariam o colega para tal, porque isso seria sinal de
fraqueza.
Como acima dissemos, não há maior sinal de fraqueza do que
ser limitado ao ponto de pensar isto, e praticá-lo.
15. O CASO ESPECÍFICO DOS ADVOGADOS:
GANHOS CLAROS
Reduzir pendências significa ter maior domínio dos casos,
porque quanto mais casos em tribunal, mais factores externos podem interferir
com a melhor solução para o nosso cliente.
Reduzir pendências é também ter um domínio quase absoluto
da agenda, o que não acontece com advogados que não sabem outra (que não a
Justiça Vertical Reactiva).
Privilegiar o Direito Preventivo é também responder com
maior eficácia aos clientes, cobrar pela rapidez e não pela delonga, e mudar
decisivamente a imagem dos Advogados na opinião pública.
Além disso, tal mudança apresenta-se como um (bom) ciclo
vicioso: se os advogados desenvolverem competências naquele que é o seu campo
de actuação por excelência, que é este mesmo, o do Direito Preventivo, deixarão
de ser visitados só por pessoas com problemas, com prazos, e passarão a ser
visitados por pessoas que se querem acautelar – mais clientes, cada uma a
gastar menos dinheiro (exponencialmente menos dinheiro!!!) com o próprio
advogado, sendo que o Direito Preventivo, normalmente, não gera outras
despesas, o que não acontece, de todo, na Justiça Reactiva.
Assim, os advogados, e os seus clientes, vão claramente
contribuir para o aumento de produtividade do país, um dos seus maiores
problema e pontos fracos. A Justiça Reactiva é o paradigma da baixa
produtividade, por natureza, como acima se referiu.
Como acima também se disse, o advogado é exógeno ao
processo, pelo que o seu “métier” é o seu escritório, e não o tribunal, assim
como o seu campo de actuação privilegiado não é a aplicação do Direito, mas sim
o trabalho com o real, com os factos.
16. CONCLUSÃO: BIBLIOGRAFIA ZERO
VÍRGULA CINCO?
E assim se termina esta primeira abordagem, tanto liminar
como esquemática, do Direito Preventivo. Estamos em crer que seremos, com muito
orgulho, a estreia absoluta na Bibliografia sobre o tema, disponível em
Portugal, pois, por muito que se procure, não há livros sobre a questão nos escaparates
das Bibliotecas ou Livrarias portuguesas.
E como é só um esquema,
este texto deverá ficar conhecido como referência bibliográfica zero vírgula
cinco, com a esperança de que os números inteiros, gordos, abundantes, apareçam
por aí, já a seguir.
PEDRO GUILHERME – MOREIRA
Advogado
pedro@portolegal.com
[1] Também apelidada por Thomas D. Barton and James M. Cooper de “linha horizontal” - Preventive Law and Creative Problem solving: Multi-dimensional Lawyering, publicado na Universidade de Califórnia Western School of Law, em San Diego, E.U.A.